Cotidiano, Crônica, Pessoal

Setembro Amarelo

Bom, depois de dois textos sobre como eu estava com depressão, vai o texto de hoje, depois do tratamento.

Depois daquela carta escrita para meu psiquiatra, ele entendeu que eu estava em mania, um dos sintomas da Bipolaridade. Isso porque eu tinha feito uma carta com umas 8 páginas explicando detalhadamente como me sentia em cada momento do tratamento. Assim, consegui criar não apenas uma carta, mas um verdadeiro dossiê do meu tratamento. Minha precisão e meticulosidade levaram o médico a interpretar que eu estava em um episódio maníaco. Para contextualizar, a mania é uma fase da bipolaridade caracterizada por euforia, ansiedade e inquietação. Meu médico acreditou que a carta havia sido escrita em um desses momentos. Ao receber esse feedback, percebi que não poderia mais confiar nele. Eu escrevia este texto me sentindo arrastada, desanimada, com apenas um fio de vida que se recusava a me deixar, dando-me uma força para continuar.

Por isso mudei de psiquiatra. Uma consulta online com uma médica de Blumenau, que me ouviu e confiou em mim, e me passou um tratamento para depressão Unipolar, mudou minha vida a partir dali. Já na segunda semana eu começava a sair do casulo que tinha me posto. O ar já entrava nos meus pulmões com mais força e saia com mais vontade. Meus olhos começavam a entrar em orbita e eu estava me aprontando para mudar a minha vida.

Mas, como vocês sabem, a depressão não é um tiro que te pega de surpresa no meio do seu dia. A depressão é uma picada de inseto venenoso, que começa com um vermelhinho na pele, depois começa a coçar, depois começa a arder. Você tenta ignorar a cosseira, usa gelo para amenizar, tenta pensar em outra coisa. Usa pomadas que você tem em casa, mas a ferida vai aumentando, a infecção vai se alastrando, isso tudo muito lentamente. Você passa a conviver com a dor, achando que é normal. Achando que é uma fase, que o seu corpo e suas orações serão capazes de curar. Mas isso não acontece. Assim como uma picada de inseto venenoso precisa de um tratamento adequado para curar, a depressão também precisa.

O tratamento me fez voltar a vida, tomei as decisões que me eram cabíveis mudar o quadro que tinha me colocado em depressão. Hoje faz um ano e meio que iniciei o tratamento e estou no processo de desmame do remédio, pois já me sinto segura para seguir minha vida sem a medicação. Mas, sem o tratamento para a depressão, com certeza que não teria vida dentro de mim para buscar as mudanças que eu tanto precisava.

Eu não desisti! Não desista também! Procure um profissional e não desista até se sentir melhor!

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Uma carta ao meu psiquiatra

Resolvi te escrever uma carta para conseguir dizer com mais calma tudo que eu tenho sentido e pensado sobre minha condição psicológica. Começo dizendo que estou me sentindo apática. Me sinto à toa pela vida. Onde nada que acontece ao meu redor me atinge. Nem coisas boas e nem coisas ruins. A sensação é que pouco me importa com o que acontece fora, eu só consigo ver o que está acontecendo dentro.

E dentro, estou começando a pensar as mesmas coisas que eu pensava antes de começar o tratamento, lá em fevereiro. Pensando que não tenho vontade de sair da cama, não vendo a hora de o tempo passar para chegar a hora de dormir de novo e não precisar viver. Acordo me lamentando pelas coisas que eu perdi, de um passado já bem remoto.

Meu brilho no olhar não volta. A vontade de ser feliz não volta. Vontade de viver a vida, não volta. 

Me pego todo tempo lendo e fazendo testes na internet para ver se me encaixo no perfil de bipolar tipo 2. Primeiro que existe pouquíssimas informações sobre bipolar tipo 2, segundo que tudo que eu vejo sobre isso realmente não vejo que se encaixa comigo. Nunca tive um episódio de hipomania que durasse mais que uma noite de bebida alcoólica. Nunca passei uma noite sem dormir planejando alguma coisa mirabolante que abandonei de uma hora para outra. Sim, eu tenho hiper foco, por isso sou uma excelente profissional na minha área de atuação, mas isso acontece quando precisa acontecer. Não termino meu trabalho e fico pilhada mais tempo que para execução do mesmo.

Sim, quando cheguei no seu consultório eu estava depressiva. Fazia anos já que me sentia apática. Sem vontade de viver e com pensamentos recorrentes de que a vida não fazia o menor sentido. Mas para isso tudo tinha um motivo. Eu estava passando pelo pior momento e minha vida. Eu tinha motivo para estar assim.

Não foi genético ou uma pré-disposição para a doença psicológica, eram coisas reais. Eram problemas reais. Coisas que tinham e que estavam acontecendo na minha vida. Fui para o fundo do poço. Quando cheguei até você eu já tinha colocado a cabeça para fora do poço, afinal, eu estava ativamente procurando ajuda pra tudo que eu estava passando. Já tinha começado tratamento nutricional, para melhorar minha aparência física e já tinha passado por um Gastro para resolver meu problema no estômago e intestino. Na sua consulta, conseguimos um nome para o que eu tinha, que eu não sabia de onde vinha tanta insatisfação. “Ah, você é bipolar tipo 2 e parecia que tudo tinha se encaixado. Agora eu sei que que eu tenho e tem tratamento. Que alívio. Minha vida pode continuar exatamente de onde está, porque agora o remédio vai resolver essa minha insatisfação”.

Comecei o tratamento e já me senti melhor na primeira semana. Mantive minha rotina de dieta e exercício físico e troquei de terapeuta. Até que bum, falei daquilo que eu não tinha coragem de falar para ninguém. E ela foi na ferida, esmagou a ferida, bateu na ferida e me deixou despedaçada. Cheguei no teu consultório acabado, chorando litros. Precisava me livrar daquele vazio no meu peito. Precisava aliviar aquela ferida, precisava curar aquela ferida. Precisava remexer ela até o fundo, tirar todo pus, eliminar toda infecção.

Então comecei tratamento psicológico e em consonância com o tratamento psiquiátrico. Mas minha vida não volta para os meus olhos, meu olhar não sorri, embora minha boca consiga mostrar os dentes, meus olhos permanecem longe.

“Trechos de uma carta escrita ao meu psiquiatra quando estava em depressão, não é fácil, mas é possível. Depois de mais um ano no tratamento pra Bipolaridade tipo 2, descobri que eu não era Bipolar e começamos um tratamento para Unipolar, que me tirou da depressão.! Eu não desisti. Setembro Amarelo!

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Eu preciso existir*

Eu preciso sentir, eu preciso viver. Seja o que for, o que tiver que ser. O amor, a raiva, o desejo, o pânico, a alegria. Preciso dar risada e preciso chorar. Eu preciso me sentir viva. Eu não sou uma velha de 80 anos arrastando a chinela dentro de casa. Vai chover hoje, fecha a janela. Deu sol hoje, fecha a cortina.

Preciso de energia para jogar poker com amigos nos dias de chuva e ir para praia com a família nos dias de sol. Não posso viver na letargia de uma vida sem pulsação de vida. Onde nada me perturba. Eu quero perturbação. Quero cair na gargalhada. E quero chorar de tanto rir. E chorar de tanta dor. Eu quero sentir dor. Quero sentir prazer. Quero berrar de prazer. Quero berrar de alegria.

Eu quero a intensidade para os meus dias. Quero o descanso para as minhas noites. Quero a alimentação para a minha saúde. Exercício físico para minha disposição. Leituras para meu cérebro e escritas para o meu ego. Quero tudo e quero agora. Não por desespero. Não por exagero. Mas porque eu mereço. Porque eu mereço ser feliz. Porque eu mereço a vibração da vida. Porque eu mereço vibrar com toda energia que me cerca. Não posso mais viver alheia a ela. Eu quero me conectar. Me reconectar. Eu preciso existir.

Eu preciso me tornar quem eu sou. Eu preciso descobrir quem eu sou. Eu quero ser quem eu sou. Eu quero amar quem eu sou. Eu quero corrigir quem eu sou.

Eu quero ser. Eu quero existir. Eu quero fazer diferença. Eu quero ser a diferença. Eu quero fazer diferente. Eu quero diferenciar. Eu quero diversificar. Eu não quero ficar inerte. Eu quero inerência com meu ser. Com meu estar. Comigo mesma.

*Obs.: Esse texto foi escrito em 2022, quando estava com depressão. Resolvi postar pelo Setembro Amarelo. Eu não desisti!

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Terror noturno

Um gato preto me espreita na porta do apartamento. Eu consigo ver ele de longe. Ele está olhando fixamente para mim. Estou assustada, ele é amedrontador. Estou deitada na minha cama, com a porta do meu quarto aberta, que dá visão a porta de entrada do apartamento. O gato continua imóvel a me fitar ao longe. Tudo parece muito real, afinal estou vendo minha casa exatamente como ela é. Acordo. Abro meus olhos e estou olhando exatamente para o mesmo lugar do meu sonho. O gato sumiu, mas o cenário é o mesmo. Eu não consigo me mexer. O gato não está mais ali, mas meu medo e meu pavor ainda estão. Meu corpo continua dormindo, minha consciência está desperta, mas não consigo me mover. Tento virar minha cabeça para ter outra visão que não seja a porta, mas não consigo. Só consigo abrir e fechar meus olhos. Quero chamar alguém, mas o som não sai. O tempo passa nessa tensão. 

Essa é a minha primeira lembrança de uma paralisia do sono, que aconteceu em meados dos anos 90. Desde então tive incontáveis episódios como esses. Cada vez que acontece é um terror diferente, mas sempre sonhando com algo acontecendo no local exatamente igual onde estou ao acordar. Mesmo panorama, mesmo ângulo, mesma iluminação. Não consigo precisar quanto tempo dura. Mas para quem está passando por isso, é tempo demais.

O que é a paralisia do sono

Paralisia do sono é um tipo de distúrbio do sono em que a pessoa, apesar de estar com a mente ativa e consciente, não consegue movimentar seu corpo, falar ou se movimentar. Esses episódios acontecem quando a mente está despertando ou pegando no sono. No meu caso é sempre quando estou pegando no sono. Além da dificuldade de movimentar o corpo, a paralisia do sono pode envolver episódios de alucinação, onde se vê coisas que não estão ali ou se sente que está sendo observado. 

Ainda podem ser ouvidos barulhos estranhos ou ocorrer experiências sensoriais diversas, como a sensação de estar flutuando e de estar vendo fora do próprio corpo. 

Como eu consegui controlar

Enfrentei a paralisia do sono tempos atras. Hoje eu consigo identificar o dia que eu vou ter, porque a minha consciência me alerta. É como se eu estivesse entrando numa outra dimensão. Quando estou pegando no sono, escuto um som diferente, que realmente não consigo reproduzir em palavras, mas eu sei que é o gatilho para entrar num pesadelo terrível. Eu fico com muito medo porque sei o que vem a seguir. Daí eu fico tentando acordar, para não ter que viver esse pesadelo que eu sei ser os mais terríveis, esses que acontecem na vigília, ou seja, no início do sono. Eu entro no pesadelo e minha fuga dele faz minha consciência acordar, mas meu corpo não. Mas nesse dia, não tive medo. Fiquei tranquila e pensei, só mais um pesadelo, não vou lutar contra ele. É melhor um pesadelo que uma paralisia. E não aconteceu nada. Tive um pesadelo normal, o que é comum para mim, e não tive paralisia. Uma vitória. Não sinto mais medo de ter paralisia, e, acredito que por isso, nunca mais tive. O último episódio foi há mais de um ano. 

Além da paralisia, tenho pesadelos homéricos quase diariamente. Esses não consigo controlar, me acostumei com eles e já faz algum tempo que tenho feito um diário dos meus pesadelos. Meus sonhos são, em sua maioria, que estou perdida. Seja em um hotel, seja em um shopping, em uma cidade grande dentro ou fora do meu país, numa língua que eu não falo ou dentro de uma mansão gigantesca. Também tenho um sonho recorrente com água, que estou prestes a me afogar no mar, no rio ou em uma enchente.

Eu faço terapia a muitos anos, mas nunca consegui controlar minha mente a ponto de controlar meus sonhos. Faz pouco tempo que comecei um tratamento psiquiátrico onde meu médico me disse que a medicação poderia resolver até meus pesadelos, mas isso também não aconteceu, estou em tratamento há mais de seis meses e meus pesadelos ainda continuam acontecendo diariamente.  

O lado bom disso tudo é que todos os dias acordo com a sensação de estar em mundos completamente diferentes, ter falado com pessoas que nunca vi na vida e de ter construído cenários e histórias fantásticas todos os dias. 

Motivos elencados para ter esses episódios

Sou aficionada por histórias, contos e filmes de terror. Eu sinto um arrepio passando por cada sentimento do meu corpo. Me sinto viva e me sinto excitada. Em contos e histórias meu cérebro vibra de tanta imagem passando na minha cabeça tentando reconstruir cada cena que estou ouvindo. Imagino tudo acontecendo, ao mesmo tempo que imagino, tento reconstruir as sensações de calor, luz e aromas que envolvem cada um daqueles acontecimentos. Um filme vai sendo produzido pela minha imaginação ao ouvir a narração de histórias assustadoras.

Mas o preço é alto. Paralisia do sono é apenas um dos episódios que atribuo a essa minha paixão por histórias de terror. Quando me vejo em casa sem mais ninguém ou planejo passar um final de semana sozinha em algum lugar, é como se os personagens de todas as histórias e de todos os filmes fossem passar esse tempo comigo. Meu cérebro começa a procurar em cantos e frestas rostos já conhecidos por mim, de todos os personagens que criei e daqueles que foram criados por alguém, como a menina do exorcista, a Emile Rose e outros personagens do cinema. 

Já parei de ver filmes e séries de terror há muitos anos, mas ainda não resisto a histórias de minha madrinha, por exemplo, dos três fantasmas que vivem no interior de Taquara Verde e guardam o tumulo de um inglês, que viveu naquela região, e que deixou várias panelas de ouro enterradas. A menina com cachorrinho que foi fotografada nessas terras e que detém o local exato das panelas de ouro, mas que ninguém até hoje conseguiu se comunicar com ela, por medo, já que ela está morta. Isso não é irresistível para você? Pois para mim é. Hoje me permito apenas escutar histórias “verídicas” de contos de pessoas comuns, que passaram por isso ou que sabem de alguém que passou.

Hoje percebo que eu consigo controlar a paralisia, mas ainda não consegui controlar minha mente tanto acordada ou em meus pesadelos. Pareço muito corajosa e destemida falando sobre isso abertamente, mas não sou. O título que escolhi para começar a escrever esse texto foi: “uma versão de mim que não curto”.  

O princípio do meu pensamento, que me gera os medos é: “Se eu sei que eles existem, eles também sabem que eu existo”. A partir do momento que eu tomo consciência das histórias e lendas urbanas de fantasmas, eles também tomam consciência de que eu existo e que posso ser uma fonte de comunicação deles do mundo espiritual com o mundo real. Mas eu tenho muito medo disso. 

Preciso entender de onde vem esse medo e essa obsessão por isso. Quem sabe assim eu possa controlar um pouco minha mente para ter uma vida onde eu possa alugar uma cabana no meio da floresta (meu lugar preferido no mundo) e possa ir sozinha, sem ter que levar ninguém para me proteger dos fantasmas que viriam me assombrar.

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