Cotidiano, Crônica, Filosofando

Ciclo vicioso

A convivência com as pessoas nos envolve num ciclo vicioso de comportamento. Não gostamos muitas vezes do tom ou da maneira com que algumas pessoas falam com a gente, e muitas vezes nos pegamos falando do mesmo modo com outras pessoas. Por que repetimos uma atitude que reprovamos? É a lei do oprimido X opressor? Isso assim, automático e sem nos darmos conta? Algo natural?

Estranho essa mundo humano e adulto. Onde nos confundimos com nossos pais, ainda que não concordemos com eles e muitas vezes fazemos coisas movidos por sentimentos e ações que não são propriamente nossos. Uma imitação que vem de geração para geração. Num exemplo bem simples e até superficial, é uma careta que eu imito de minha mãe e que a minha avó também faz. Isto é apenas um exemplo físico e visível. Quando se fala se sentimento, de opinião, de modos, é coisa é bem mais complexa.

Não que isto seja uma coisa ruim, se certa maneira não é. Mas muitas coisas não precisam ser assim. E ter este distanciamento e tentar corrigir, é se melhorar. É não cometer os mesmo erros. Cometer outros, com certeza, para que os mesmos?

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Crônica, Filosofando

Calma

Quando tudo parece calmo e os novos caminhos já estão se tornando familiares, a vida perde um pouco o sentido. Quando o que você faz já virou tão mecânico que nem mais aquela dorzinha de barriga de ansiedade dá, as coisas perdem a graça. Quando não se sente mais medo de se perder, ai você se perde.

Na realidade nunca tive muitos momentos de sossego, calmaria.  Talvez nunca o tenha permitido entrar e sentar comigo na sala. Todas as vezes que ele tentou se aproximar, se não o expulsei grosseiramente eu o exorcizei. Marasmo e eu, eu e ele. Não temos uma história juntos.

Ainda não consigo compreender o por que disso. As vezes ele é importante, como para aquela bela noite de sono, aquele cigarrinho saboroso de madrugada, aquela volta pra casa de final de tarde, tendo como companhia o pôr do sol.  Momentos que devem ser sem ansiedade, sem medo, sem pressa, sem rumo.

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Cotidiano, Crônica

Destinos

A história de quando um argentino barbeiro salvou minha vida. 

Quinta-feira, 12 de março de 2009. Acabada a aula do Magru, no curso de Jornalismo da Univali, cansada de um dia de trabalho e mais quatro horas devaneando sobre a crise mundial, pego minha bolsa e rumo de volta para casa.

Naquele ritmo de pegar um cigarro, procurar o isqueiro, ligar o som e dirigir ao mesmo tempo, saio abobadíssima a caminho da BR 101. Mas antes de chegar na rodovia, encontro o primeiro carro, de uma viagem irritante, que me atrasa. Colo na traseira dele e ele vai pra pista da direita. Posso prosseguir. Logo adiante, no trevo da Contorno Sul para pegar a BR 101, um motorista que não lê placas, se atravessa na minha frente. E era apenas a segunda da noite.

Entro na rodovia. Com uma velocidade permitida (o máximo da permitida), sigo para casa. Uns 5 km adiante um caminhão se atravessa na minha frente para ultrapassar. Reduzo a velocidade. Calma, Ana, ele vai ultrapassar e ai a gente segue o caminho, diz meu carro para mim (rs, mentira, ele não fala ainda). Bom, caminhão na pista da direita e beleza, ultrapasso ele de uma vez. 

Tem água na pista e esta chuviscando. Sem muita visibilidade, percebo um carro que fazia o retorno, simplesmente aparecer na pista rápida, numa velocidade de 40 km por hora. Dou sinal de luz, buzino, xingo a mãe dele, e continuo o caminho. Passo Balneário sem percalços e chego no Morro do Boi. Geralmente neste trecho estou muito embalada, para conseguir manter pelo menos uns 100 km/h na subida.

E agora chegou a parte que o argentino salvou minha vida. Quando eu começo a descer, vejo um cenário que me apavora. Um caminhão e três carros no lado direito da pista e mais dois carros no lado esquerdo. Restando de três pistas, apenas uma faixa e meia para passar carros. Sendo que nesta faixa e meia, dois homens recolhiam  pedaços de um acidente que tinha acabado de acontecer.

Se eu tivesse rápido talvez não conseguisse brecar. Talvez se não fosse um argentino barbeiro, eu mesma poderia estar naquele acostamento. Viajo de carro há muito tempo, e posso assegurar que esta foi a minha viagem mais enrolada e que encontrei o argentino barbeiro mais barbeiro de todos. Não acredito em deus, não sou religiosa, mas acredito em energia. Essa energia que faz com que os argentinos não aprendam a dirigir  e salvem vidas de pessoas quando estejam fazendo sua viagem de férias.

Mas desta vez não foi assim. Eis que na primeira curva, surge um Polo azul marinho, com placas da Argentina, para atrasar pelo menos metade da subida do Morro do Boi. Desta vez eu xinguei até a prima da tia da vizinha da mãe do argentino, buzinei e dei sinal de luz. Até que ele saiu de minha frente. Mas nesta hora não tinha mais embalo. E se você esta na metade de um morro com um carro mil a 60 km/h, você não vai aumentar muito mais que isso. Cheguei ao topo do morro numa velocidade moderada.

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Crônica, Família, Pessoal

A frase

E eu olhei pra ela e disse:

– Não me importa mais o que você acha!

Depois desta frase, tão verdadeira e tão espontânea, e, sem ter pensado sobre seu significado, percebi que muita coisa já tinha mudado em nossa relação. Geralmente as coisas acontecem ao contrário, eu penso, percebo que as coisas pegaram novos rumos e depois estes novos rumos invadem minha vida. Mas desta vez não. A frase veio e a despejei. E, depois, veio o estalo.

Mas antes não tivesse dito nada. Muito menos ter sentido o nada. O do vazio, aquele que dá quando perde alguém, perde referência. Alguém que sempre escutei, considerei, confiei. De repente, num domingo chuvoso, no meio de um brigadeiro na panela, eu me deparo com a frase, com a constatação, com a perda.

Ela não disse, só olhou. Olhou por algum tempo. Deu de ombros, e virou. Essa era nossa confirmação. Continuamos ali, comendo brigadeiro e tomando Coca-Cola. Aquela nova verdade entre a gente já estava sendo construída há tempos. Só não tinha se expressado. Não tinha virado frase. Não tinha sido ouvida.

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Cotidiano, Crônica

Sinal

Eram 8h da manhã e eu levantei da cama para um dia cheio de trabalho, o único da semana que trabalho os dois turnos. Vesti-me em menos de 15 min, tempo suficiente para eu por meu guarda-roupa abaixo e provar pelo menos meia dúzia de roupas. Com saia longa, rasteira e grandes brincos, estava pronta. Café rápido, passadinha no banheiro, beijo no João e tchau. Já estava atrasada, como sempre.

Entrei no carro, liguei o som e bora, rumo a Balneário Camboriú onde fica o jornal. Com Ana Carolina & Seu Jorge no som, nem ligo quando a sinaleira fecha bem na minha vez de passar. Quando morava em Blumenau achava que isso era azar. Neste dia eu tive certeza. Sinaleira aberta e lá vamos nós, né? Acho que não. Meu carro não liga. Tento virar a chave três vezes e nada. Me dou conta que estou andando na reserva há três dias. Pronto, estava sem gasolina na Avenida do Estado e era a primeira numa fila a perder de vista.

Fiquei dentro do carro por alguns instantes sem saber o que fazer. Já buzinavam atrás de mim quando resolvi sair do carro. Sem pensar direito no que faria fora dele, eu olhei para a fila e abri os braços como quem diz: Não sei o que fazer. Volto pra dentro do carro e fecho a porta. Pensa, pensa, pensa. Um homem atravessando a rua. Bingo. Ligo o pisca alerta e saio para pedir ajuda. Como era difícil colocar a cara para fora. Peço envergonhada. Ele se recusa, desavergonhado. Quero me jogar no primeiro buraco. Não havendo buracos, preciso de outra solução.

Loja de material elétrico à direita, lugar perfeito para achar um homem para me ajudar com o carro. Abordo o primeiro barbudo que vejo e pronto, achei um homem feliz em ajudar uma mulher com o carro sem gasolina no meio da avenida. Ofereço ajuda para empurrar. Ele ri, diz para eu relaxar e ficar dentro do carro. Dez minutos e 100 metros adiante, meu carro estava estacionado. Ufa, resolvido. Agradeço e lhe entrego uma nota de R$ 5 quando na verdade eu teria pagado R$ 100 para sair daquela situação. Ele me olha com espanto e alegria e diz:

– Você tinha um problema e eu tenho outro. E a gente se ajuda. Muito obrigada! – e contente ele se despediu.

Apesar da situação toda, aquelas últimas palavras me deixaram com um sorriso estampado. E cantando Ana Carolina & Seu Jorge, fui andando comprar dois litros de gasolina. 

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Crônica, Filosofando, Infância, Pessoal

Por onde andei

Tenho 24 anos e fumei quase metade de minha vida. Aos 12 anos, depois de não conseguir me inserir num grupo onde sempre achei que fazia parte, que eram os das meninas que fazem as coisas certas, entrei para o time das meninas más. Rebeldes e na ânsia de fazer o que não era permitido, fumar era como levantar uma bandeira. Comecei a fumar. Não gostei no começo, no entanto, estava decidida a ter aquelas amigas. Insisti e com o passar das “pitadas” o cigarro foi ficando mais atrativo.

Fumava escondido de meus pais, o que tornava o ato ainda mais clandestino. Meus pais, quase todas as noites iam à casa do vizinho e este era o momento de acender o fedido. Íamos para o quarto, sim, no plural, porque minhas duas irmãs faziam parte do time. Abaixadas na janela, com a luz do quarto apagada, fumávamos cuidando meus pais na sombra do quintal. Se alguém se levantasse na casa da Dona Helena, a vizinha, podíamos ver, e logo jogar o maldito. Se permanecem sentados, ótimo, podíamos degustar o saber de um cigarro inteiro. Só não escondíamos as chepas, que formavam uma nuvem branca embaixo da janela. Meus pais nunca ligaram para elas.

No colégio éramos as meninas de atitude, as meninas más. Fumávamos na entrada, no recreio e que não fazíamos o caminho do colégio para casa se não fosse com um belo e comprido cigarro por entre os dedos. No recreio, ficávamos no muro da escola, um pouco distante dos outros e de onde tínhamos uma visão privilegiada do corredor que ligava a direção ao pátio. O colégio inteiro podia ver nossa ousadia, ou, nossa fumaça, só cuidávamos para não sermos pegas. Para ser rebelde precisa também ser esperta. Essa esperteza, confesso, nunca foi meu forte. Era esperta nas provas, tirava notas boas, entendia química, história, português, mas não entendia a matemática de colar nas provas. Minhas amigas más entendiam bem disso, pena que não tinha nenhuma na minha sala para me orientar ou fazer frente. Não me restava alternativa senão estudar oulevar ferro, a segunda opção já tinha se tonado a mais comum. Era-me um pouco penoso ser má longe delas. No grupo, eu tinha poder e esperteza, mas não sabia fazer isso sozinha. Nunca admiti isso para mim mesma, queria me tornar uma delas. Estudar e tirar notas boas já não era mais importante, queria ser foda, como elas eram.

Nós encontrávamos muitas vezes durante o dia e a noite, quando a atividade principal era levar o cigarro a boca, tragar, soltar a fumaça e bater a cinza. Tudo isso quanto falávamos muito em meninos, nossa segunda atividade predileta era beijar eles. Alguns ainda estudavam na nossa escola e outros já tinham se formado e já cursavam faculdade. Não ligávamos para a idade deles nos sentíamos muito mulheres com nossos cigarros acesos. Nessa época eu tinha 13 anos. Já completava um ano de cigarro.

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Mudança

Resolvi que vou começar a relatar de forma engraçada as coisas que acontecem na minha vida. Sempre tem uma coisa que acaba dando errado e que, de tão inusitadas que são, podem muito bem virar histórias engraçadas. Desde achar que meu carro foi roubado, gasolina acabar na BR 101, tentativa de resgatar meu FGTS, ser traída num relacionamento que eu não queria mais, sair com um gatinho, tomar todas e ele ficar com minha amiga, entre outras coisas que acontecem e que me desmoronam. Ai acabo sempre repetindo: “Como minha vida é difícil de ver vivida”. Essa é a frase que eu repito quando algo dá errado. Pode parecer engraçado, mas quando eu digo isso eu estou totalmente despedaçada.

Por que as coisas sempre acontecem de forma diferente que eu planejei? Será que eu planejo e imagino demais as coisas? Quanto algo sai do previsto eu fico totalmente abalada, faço tempestades terríveis e me jogo na depressão total, da qual acho que nunca mais vou sair. Mas, incrivelmente, minutos depois, estou totalmente recuperada. Mas por que eu me jogo assim na tristeza, sendo que sempre acabo ficando bem depois de pouco tempo? Por que eu me cobro tanto para que tudo saia como previsto? Por que eu não culpo o acaso ou culpo outras pessoas? Por que eu tenho sempre que achar um culpado? Por que simplesmente não aceito as coisas como elas são?

A idéia do contar veio para tentar deixar ao menos a história engraçada, tirar ela do trágico. Serve também para aliviar o peso que eles tem, para amenizar, para digeri-la e depois exteriorizá-la de uma forma que de vontade de rir. Afinal, essa sou eu e essa é a minha vida, e os acontecimentos dela, por que eu tenho que torna-los tão densos assim? Por que tenho que deixar a vida da pessoa mais importante do mundo para mim tão difícil e penosa assim? Vou tornar a vida desta menina mais relaxada, mais leve e mais engraçada.

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Eu?!

Vivi até hoje tentando incansavelmente descobrir quem eu sou. Sei que já fui muita coisa. Menininha atrevida que jogava futebol com os meninos. Que subia nas árvores sem medo e ainda construía casas lá em cima. Que descia morros escorregando em um papelão e que morria de medo das historias contadas no rádio da casa de minha madrinha, no sítio, onde não existia luz elétrica e se relatavam lendas terríveis de demônios e almas penadas. Fui embora de casa com seis anos, mas dobrar a esquina parecia perigoso demais e resolvi voltar. Meu primeiro beijo foi em troca de uma volta de bicicleta, quando eu tinha 11 anos.

Já fui uma menina rebelde que gazeava aula. Que jogava a mochila pela janela da escola e a pegava lá fora, depois de passar abaixada pela diretoria. Fazia isso só para andar a cavalo, ou jogar sinuca ou bater papo e fumar cigarro a manha toda. Já sai da sala depois de jogar a carteira no chão brava com meu professor de matemática, que depois me deixou em segunda época. Já fumei cigarro na escola. E beijei também. E briguei. E dancei, numa coreografia linda. E já quase fui expulsa por estar com a galera que colocava moleques no lixeiro e rodava no chão. Já desmanchei macumba e já fiz simpatia de amor. Já fui à cartomante, vidente, taróloga e já brinquei da brincadeira do copo, e da caneta e do compasso. Já roubei o carro do meu pai e já sai de casa escondida no meio da madrugada para ver um grande amor. Já chorei por amor. Já fui muita amada. Tive muitos amigos que amava tanto que acabei beijando, e descobri tarde demais que isso comprometeria muita a amizade. Já cheguei muitas vezes de madrugada em casa e tinha que abrir a porta só quando passasse um caminhão, para que o cachorro não ouvisse a porta abrir e latisse para acordar meus pais.

Já tirei foto dentro de um caixão, com velas acessas e um amigo meu velando do lado. Já avacalhei na brincadeira do soldadinho, onde a punição era ser jogada no açude, mas fui livrada por um cara que me amava e por minha irmã que ainda me ama. Já comecei a escrever um livro. Já escrevi muitas poesias. Já pensai em ser tudo quanto é coisa. Advogada, fisioterapeuta, publicitária, administradora de empresas, psicóloga, mas jornalismo me acompanha desde meus 10 anos e foi à escolha. Já fiz uma fogueira num morro bem alto e passei a noite inteira fazendo juras de amor e bebendo vinho. Já namorei escondido e nosso encontro era sempre em um cemitério perto de minha casa. Fazia mais de 12 km por dia de bicicleta para ver meu primeiro amor. Já montei três quebra-cabeças de 1000 peças e um de 2000 mil. Já li centenas de livros e quero reler mais da metade, mas nunca consigo fazer isso.

Já dei risada até fazer xixi na calça muitas vezes, porque minhas irmãs adoravam me fazer cócegas porque sabiam que eu não conseguiria segurar. Já fiz todos os tipos que regimes possíveis. Já perdi peso por uma paixão. Já engordei muito sofrendo por amor. Já passei quase um dia a base de água. E no outro a base de frutas e no terceiro fui ao Mc porque não agüentava mais me privar de nada. Já desfilei num concurso da mais bonita da escola, mas não me classifiquei, mas é claro que tinha treta :P, já fiz um curso de manequim, modelo e etiqueta. Já fui contadora de histórias para crianças carentes. Já fui atriz, e encenei uma peça onde só eu tinha fala. Já fui hippie e já fui metalera. Uso muito calçado baixo e adoro saias rodadas. Adoro brincos e colares indianos. Brigo com meus cabelos quase todos os dias. Sempre acho que preciso emagrecer, mas geralmente gosto muito de meu reflexo no espelho.

Amo minhas irmãs e meu filho mais que tudo no mundo. Mas às vezes acho que não demonstro muito isso. Aprendi a respeitar e amar meus pais só depois que virei mãe. Adoro o sol, o luar, o cheiro de grama cortada, a casa cheia, o meu carro limpo, sushi, beijo, unhas vermelhas, mini saias, óculos escuros, mergulhar no mar, ver o João dormir, um cafuné, declaração de amor, dar gargalhada. Entre muitas e muitas coisas. E coisas que eu ainda nem sei se eu gosto, mas que um dia saberei e isto tbm fará parte do meu eu.

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Lama

Por que eu mergulho tanto dentro de mim mesma e não consigo ver o mundo lá fora? Por que eu não consigo me distanciar e ver as coisas acontecendo fora de mim? Por que meu mundo fica apenas dando volta e não pega novos rumos, que vão além do que se passou? Por que meu passado insiste em me botar medo e não me deixa viver o presente?

Minha consciência me atormenta e não consigo de desvencilhar dela. Não aceito as coisas que acontecem comigo e por isso nunca posso seguir adiante. Nunca me sinto plenamente solta para sentir o novo. Nos momentos que isso acontece algo de mal vem e me lembra que não posso viver assim. Que não sei viver assim. Que uma vida tranquila e sem anseios e culpas não é para mim. Sempre que me sinto feliz é por pouco tempo. Quando me sinto segura, estou segura também que vai durar pouco.

Acho que a diferença das pessoas que vivem tranquilas e daquelas como eu, que não vivem, é não pensar. Tem gente que simplesmente não pensa. Vai vivendo, agindo, seguindo e sentindo sem pensar. Eu penso. Penso muito. E penso em tudo. Não quero dizer que faço isso querendo, que sou uma pessoa meticulosa e que sempre sabe de tudo previamente e sempre tem uma resposta. Não, quem dera. Eu apenas penso. Não mudo nada do que sei que vai acontecer. Não consigo fazer nada para tornar diferente aquilo que eu sei que deveria ser feito diferente. Eu apenas sei. E as coisas acontecem do jeito que eu sabia que aconteceriam, mas eu fico ali, assistindo tudo como se fosse inédito e não raras vezes me surpreendo com o rumo delas, embora já os conheça.

Sinto-me num poço de lama onde me debato, me debato e não saio do lugar. Tento pegar minhas pernas e puxo meus cabelos tentando em vão me erguer. Mas quanto mais eu tento, mais ofegante eu fico, mais agitada e sinto mais dor. Meu coro cabeludo de desgruda da cabeça e minhas pernas ficam vermelhas e esfoladas em carne viva pela força com que quero me erguer. E sinto dor. Choro. E desisto. E vou ficando ali, inerte. Eu apenas enxergo e consigo respirar, mas não me mexo.

Eu sei que não é força que vai me tirar dali. Mas eu a uso. Em vão. E embora seja forte, me pergunto para que ser forte se não consigo mudar as coisas? Mas saber que sou forte às vezes me consola. E às vezes me faz sorrir. E me mantém viva. Essa força também não deixa de alimentar a vontade incontrolável que eu tenho de ser feliz. Pena que só ela não baste. Pena que não baste eu querer. Ou basta?

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Crônica, Pessoal

Quase sozinha

Sempre vive num mundo onde simplesmente podia confiar completamente em alguém. Podia contar qualquer coisa, essas pessoas me entendiam. Tudo que dava vontade de fazer, fazíamos juntas, porque tínhamos as mesmas vontades. Nunca tive problemas em ter que guardar um segredo de alguma amiga, podia confiar, contar tudo, jamais a história se espalharia. Porque minha vontade incontrolável de comentar com alguém tal segredo, poderia perfeitamente ser saciado contado para essas pessoas. Com certeza, não sairia dali.

Eram praticamente extensões de meu ser. Coisas que não conseguia compreender em mim, poderia perfeitamente aprender com as atitudes dessas pessoas. Passávamos horas a conversar, escutar música, ler, discutir e até brigar que aquela relação não se desfazia nunca. Unidas contra o mundo inteiro, e a favor da proteção e da felicidade, caminhávamos juntas, os mesmos passos, as mesmas vozes, os mesmos medos e anseios.

Eu era completa. Tudo que me faltava, com certeza achava nelas. Se me faltava paciência, esta transbordava na outra. Se na outra faltava agilidade, sobrava esperteza a rapidez na terceira. Se faltasse persistência, uma abria os abraços e dávamos as mãos e seguíamos, convictas de estar seguras. Unidas, eram um ser pleno.

Tínhamos uma música, tema do companheirismo e da sensação de união.

Somos um só, irmão e irmã, cara metade tudo é amizade, parte de ti, parte de mim, parte de tudo que existe. Sonhos, fantasias no azul do mar, juntos só eu e vc.

Cantamos até o som se calar. Brincamos, até nos cansarmos. Rimos, até doer a bochecha. Discutimos, até ficarmos sem mais argumentos. Andamos, até a encruzilhada. É, esta que nos separou. Esta que fez cada uma seguir seu próprio caminho. E lá vão elas, separadas. Não mais são plenas, tampouco incompletas. Diferentes. São diferentes de antes. Já não se entendem mais, já não se tem o mesmo sentimento de união, já não gostam das mesmas coisas, já não estão inseridas no mesmo grupo de amigos. Mas estão firmes na luta. O que elas almejam?

Serem felizes. Fazem de tudo para isso. Não mais juntas, mas aquele sentimento de trazer o mundo para bem perto delas ainda não se desfez. Sentem falta de daquela compreensão, daquele espelho, daquele reflexo. De alguma forma ainda estão super ligadas. Mas uma forma diferente.

O tempo é assim. Bom tempo que passou. Bom tempo que nos proporcionou isso. Bom o tempo que tbm nos tirou isso. E agora, aquilo que nos cerca, aquilo que depende de nós, que outrora era respondido em três, tem que ser feito com um terço. Mas este terço é forte e inteligente. Elas  ainda carregam um pouco uma da outra dentro de si, e isso as fortalece.

Essas três meninas cresceram, se chamam Ana Lúcia, Franciane e Gabriela. As três bruxas da Meia Praia….

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