Cotidiano, Crônica, Filosofando

Idas e vindas

E a vida segue seu curso. Por menos que faça sentido, as coisas vão acontecendo, independente de você estar pronta para elas. As pessoas vão surgindo, as pessoas vão se indo. Cada um que se vai leva um pouco de ti. Cada um que surge trás consigo um pouco de ti que você nem sabia que existia. Uns se vão com aquela pessoa que você adorava ser. Alguém que sorria, que cantava, que contava histórias. Que calava. Um silêncio doce replato de sentimentos bons. Um belo dia levam isso de ti.

Muitas vezes corremos atrás para trazer tudo aquilo de volta. Numa tentativa desesperada e desastrada de voltar a ser quem éramos. E por vezes consigimos trazer a pessoa de volta, mas dificilmente ela trás você de volta. E tudo perde de novo o sentido e você percebe que precisa de coisas novas. Pessoas novas. Sentimentos novos. Mas nesses idas e vindas não temos controle de quem vai surgir. E tampouco o que essa pessoa vai fazer surgir em você.

Mas já que corremos o risco de sermos felizes no meio disso tudo, mergulhamos de cabeça, arriscamos o que for. Porque não vai ser na inércia que mais uma vez você vai sentir que o mundo cabe dentro de você. E que você cabe nele perfeitamente.

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Ciclo vicioso

A convivência com as pessoas nos envolve num ciclo vicioso de comportamento. Não gostamos muitas vezes do tom ou da maneira com que algumas pessoas falam com a gente, e muitas vezes nos pegamos falando do mesmo modo com outras pessoas. Por que repetimos uma atitude que reprovamos? É a lei do oprimido X opressor? Isso assim, automático e sem nos darmos conta? Algo natural?

Estranho essa mundo humano e adulto. Onde nos confundimos com nossos pais, ainda que não concordemos com eles e muitas vezes fazemos coisas movidos por sentimentos e ações que não são propriamente nossos. Uma imitação que vem de geração para geração. Num exemplo bem simples e até superficial, é uma careta que eu imito de minha mãe e que a minha avó também faz. Isto é apenas um exemplo físico e visível. Quando se fala se sentimento, de opinião, de modos, é coisa é bem mais complexa.

Não que isto seja uma coisa ruim, se certa maneira não é. Mas muitas coisas não precisam ser assim. E ter este distanciamento e tentar corrigir, é se melhorar. É não cometer os mesmo erros. Cometer outros, com certeza, para que os mesmos?

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Crônica, Filosofando

Calma

Quando tudo parece calmo e os novos caminhos já estão se tornando familiares, a vida perde um pouco o sentido. Quando o que você faz já virou tão mecânico que nem mais aquela dorzinha de barriga de ansiedade dá, as coisas perdem a graça. Quando não se sente mais medo de se perder, ai você se perde.

Na realidade nunca tive muitos momentos de sossego, calmaria.  Talvez nunca o tenha permitido entrar e sentar comigo na sala. Todas as vezes que ele tentou se aproximar, se não o expulsei grosseiramente eu o exorcizei. Marasmo e eu, eu e ele. Não temos uma história juntos.

Ainda não consigo compreender o por que disso. As vezes ele é importante, como para aquela bela noite de sono, aquele cigarrinho saboroso de madrugada, aquela volta pra casa de final de tarde, tendo como companhia o pôr do sol.  Momentos que devem ser sem ansiedade, sem medo, sem pressa, sem rumo.

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Por onde andei

Tenho 24 anos e fumei quase metade de minha vida. Aos 12 anos, depois de não conseguir me inserir num grupo onde sempre achei que fazia parte, que eram os das meninas que fazem as coisas certas, entrei para o time das meninas más. Rebeldes e na ânsia de fazer o que não era permitido, fumar era como levantar uma bandeira. Comecei a fumar. Não gostei no começo, no entanto, estava decidida a ter aquelas amigas. Insisti e com o passar das “pitadas” o cigarro foi ficando mais atrativo.

Fumava escondido de meus pais, o que tornava o ato ainda mais clandestino. Meus pais, quase todas as noites iam à casa do vizinho e este era o momento de acender o fedido. Íamos para o quarto, sim, no plural, porque minhas duas irmãs faziam parte do time. Abaixadas na janela, com a luz do quarto apagada, fumávamos cuidando meus pais na sombra do quintal. Se alguém se levantasse na casa da Dona Helena, a vizinha, podíamos ver, e logo jogar o maldito. Se permanecem sentados, ótimo, podíamos degustar o saber de um cigarro inteiro. Só não escondíamos as chepas, que formavam uma nuvem branca embaixo da janela. Meus pais nunca ligaram para elas.

No colégio éramos as meninas de atitude, as meninas más. Fumávamos na entrada, no recreio e que não fazíamos o caminho do colégio para casa se não fosse com um belo e comprido cigarro por entre os dedos. No recreio, ficávamos no muro da escola, um pouco distante dos outros e de onde tínhamos uma visão privilegiada do corredor que ligava a direção ao pátio. O colégio inteiro podia ver nossa ousadia, ou, nossa fumaça, só cuidávamos para não sermos pegas. Para ser rebelde precisa também ser esperta. Essa esperteza, confesso, nunca foi meu forte. Era esperta nas provas, tirava notas boas, entendia química, história, português, mas não entendia a matemática de colar nas provas. Minhas amigas más entendiam bem disso, pena que não tinha nenhuma na minha sala para me orientar ou fazer frente. Não me restava alternativa senão estudar oulevar ferro, a segunda opção já tinha se tonado a mais comum. Era-me um pouco penoso ser má longe delas. No grupo, eu tinha poder e esperteza, mas não sabia fazer isso sozinha. Nunca admiti isso para mim mesma, queria me tornar uma delas. Estudar e tirar notas boas já não era mais importante, queria ser foda, como elas eram.

Nós encontrávamos muitas vezes durante o dia e a noite, quando a atividade principal era levar o cigarro a boca, tragar, soltar a fumaça e bater a cinza. Tudo isso quanto falávamos muito em meninos, nossa segunda atividade predileta era beijar eles. Alguns ainda estudavam na nossa escola e outros já tinham se formado e já cursavam faculdade. Não ligávamos para a idade deles nos sentíamos muito mulheres com nossos cigarros acesos. Nessa época eu tinha 13 anos. Já completava um ano de cigarro.

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Mudança

Resolvi que vou começar a relatar de forma engraçada as coisas que acontecem na minha vida. Sempre tem uma coisa que acaba dando errado e que, de tão inusitadas que são, podem muito bem virar histórias engraçadas. Desde achar que meu carro foi roubado, gasolina acabar na BR 101, tentativa de resgatar meu FGTS, ser traída num relacionamento que eu não queria mais, sair com um gatinho, tomar todas e ele ficar com minha amiga, entre outras coisas que acontecem e que me desmoronam. Ai acabo sempre repetindo: “Como minha vida é difícil de ver vivida”. Essa é a frase que eu repito quando algo dá errado. Pode parecer engraçado, mas quando eu digo isso eu estou totalmente despedaçada.

Por que as coisas sempre acontecem de forma diferente que eu planejei? Será que eu planejo e imagino demais as coisas? Quanto algo sai do previsto eu fico totalmente abalada, faço tempestades terríveis e me jogo na depressão total, da qual acho que nunca mais vou sair. Mas, incrivelmente, minutos depois, estou totalmente recuperada. Mas por que eu me jogo assim na tristeza, sendo que sempre acabo ficando bem depois de pouco tempo? Por que eu me cobro tanto para que tudo saia como previsto? Por que eu não culpo o acaso ou culpo outras pessoas? Por que eu tenho sempre que achar um culpado? Por que simplesmente não aceito as coisas como elas são?

A idéia do contar veio para tentar deixar ao menos a história engraçada, tirar ela do trágico. Serve também para aliviar o peso que eles tem, para amenizar, para digeri-la e depois exteriorizá-la de uma forma que de vontade de rir. Afinal, essa sou eu e essa é a minha vida, e os acontecimentos dela, por que eu tenho que torna-los tão densos assim? Por que tenho que deixar a vida da pessoa mais importante do mundo para mim tão difícil e penosa assim? Vou tornar a vida desta menina mais relaxada, mais leve e mais engraçada.

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Lama

Por que eu mergulho tanto dentro de mim mesma e não consigo ver o mundo lá fora? Por que eu não consigo me distanciar e ver as coisas acontecendo fora de mim? Por que meu mundo fica apenas dando volta e não pega novos rumos, que vão além do que se passou? Por que meu passado insiste em me botar medo e não me deixa viver o presente?

Minha consciência me atormenta e não consigo de desvencilhar dela. Não aceito as coisas que acontecem comigo e por isso nunca posso seguir adiante. Nunca me sinto plenamente solta para sentir o novo. Nos momentos que isso acontece algo de mal vem e me lembra que não posso viver assim. Que não sei viver assim. Que uma vida tranquila e sem anseios e culpas não é para mim. Sempre que me sinto feliz é por pouco tempo. Quando me sinto segura, estou segura também que vai durar pouco.

Acho que a diferença das pessoas que vivem tranquilas e daquelas como eu, que não vivem, é não pensar. Tem gente que simplesmente não pensa. Vai vivendo, agindo, seguindo e sentindo sem pensar. Eu penso. Penso muito. E penso em tudo. Não quero dizer que faço isso querendo, que sou uma pessoa meticulosa e que sempre sabe de tudo previamente e sempre tem uma resposta. Não, quem dera. Eu apenas penso. Não mudo nada do que sei que vai acontecer. Não consigo fazer nada para tornar diferente aquilo que eu sei que deveria ser feito diferente. Eu apenas sei. E as coisas acontecem do jeito que eu sabia que aconteceriam, mas eu fico ali, assistindo tudo como se fosse inédito e não raras vezes me surpreendo com o rumo delas, embora já os conheça.

Sinto-me num poço de lama onde me debato, me debato e não saio do lugar. Tento pegar minhas pernas e puxo meus cabelos tentando em vão me erguer. Mas quanto mais eu tento, mais ofegante eu fico, mais agitada e sinto mais dor. Meu coro cabeludo de desgruda da cabeça e minhas pernas ficam vermelhas e esfoladas em carne viva pela força com que quero me erguer. E sinto dor. Choro. E desisto. E vou ficando ali, inerte. Eu apenas enxergo e consigo respirar, mas não me mexo.

Eu sei que não é força que vai me tirar dali. Mas eu a uso. Em vão. E embora seja forte, me pergunto para que ser forte se não consigo mudar as coisas? Mas saber que sou forte às vezes me consola. E às vezes me faz sorrir. E me mantém viva. Essa força também não deixa de alimentar a vontade incontrolável que eu tenho de ser feliz. Pena que só ela não baste. Pena que não baste eu querer. Ou basta?

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