Crônica, Filosofando, Infância, Pessoal

Por onde andei

Tenho 24 anos e fumei quase metade de minha vida. Aos 12 anos, depois de não conseguir me inserir num grupo onde sempre achei que fazia parte, que eram os das meninas que fazem as coisas certas, entrei para o time das meninas más. Rebeldes e na ânsia de fazer o que não era permitido, fumar era como levantar uma bandeira. Comecei a fumar. Não gostei no começo, no entanto, estava decidida a ter aquelas amigas. Insisti e com o passar das “pitadas” o cigarro foi ficando mais atrativo.

Fumava escondido de meus pais, o que tornava o ato ainda mais clandestino. Meus pais, quase todas as noites iam à casa do vizinho e este era o momento de acender o fedido. Íamos para o quarto, sim, no plural, porque minhas duas irmãs faziam parte do time. Abaixadas na janela, com a luz do quarto apagada, fumávamos cuidando meus pais na sombra do quintal. Se alguém se levantasse na casa da Dona Helena, a vizinha, podíamos ver, e logo jogar o maldito. Se permanecem sentados, ótimo, podíamos degustar o saber de um cigarro inteiro. Só não escondíamos as chepas, que formavam uma nuvem branca embaixo da janela. Meus pais nunca ligaram para elas.

No colégio éramos as meninas de atitude, as meninas más. Fumávamos na entrada, no recreio e que não fazíamos o caminho do colégio para casa se não fosse com um belo e comprido cigarro por entre os dedos. No recreio, ficávamos no muro da escola, um pouco distante dos outros e de onde tínhamos uma visão privilegiada do corredor que ligava a direção ao pátio. O colégio inteiro podia ver nossa ousadia, ou, nossa fumaça, só cuidávamos para não sermos pegas. Para ser rebelde precisa também ser esperta. Essa esperteza, confesso, nunca foi meu forte. Era esperta nas provas, tirava notas boas, entendia química, história, português, mas não entendia a matemática de colar nas provas. Minhas amigas más entendiam bem disso, pena que não tinha nenhuma na minha sala para me orientar ou fazer frente. Não me restava alternativa senão estudar oulevar ferro, a segunda opção já tinha se tonado a mais comum. Era-me um pouco penoso ser má longe delas. No grupo, eu tinha poder e esperteza, mas não sabia fazer isso sozinha. Nunca admiti isso para mim mesma, queria me tornar uma delas. Estudar e tirar notas boas já não era mais importante, queria ser foda, como elas eram.

Nós encontrávamos muitas vezes durante o dia e a noite, quando a atividade principal era levar o cigarro a boca, tragar, soltar a fumaça e bater a cinza. Tudo isso quanto falávamos muito em meninos, nossa segunda atividade predileta era beijar eles. Alguns ainda estudavam na nossa escola e outros já tinham se formado e já cursavam faculdade. Não ligávamos para a idade deles nos sentíamos muito mulheres com nossos cigarros acesos. Nessa época eu tinha 13 anos. Já completava um ano de cigarro.

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Eu?!

Vivi até hoje tentando incansavelmente descobrir quem eu sou. Sei que já fui muita coisa. Menininha atrevida que jogava futebol com os meninos. Que subia nas árvores sem medo e ainda construía casas lá em cima. Que descia morros escorregando em um papelão e que morria de medo das historias contadas no rádio da casa de minha madrinha, no sítio, onde não existia luz elétrica e se relatavam lendas terríveis de demônios e almas penadas. Fui embora de casa com seis anos, mas dobrar a esquina parecia perigoso demais e resolvi voltar. Meu primeiro beijo foi em troca de uma volta de bicicleta, quando eu tinha 11 anos.

Já fui uma menina rebelde que gazeava aula. Que jogava a mochila pela janela da escola e a pegava lá fora, depois de passar abaixada pela diretoria. Fazia isso só para andar a cavalo, ou jogar sinuca ou bater papo e fumar cigarro a manha toda. Já sai da sala depois de jogar a carteira no chão brava com meu professor de matemática, que depois me deixou em segunda época. Já fumei cigarro na escola. E beijei também. E briguei. E dancei, numa coreografia linda. E já quase fui expulsa por estar com a galera que colocava moleques no lixeiro e rodava no chão. Já desmanchei macumba e já fiz simpatia de amor. Já fui à cartomante, vidente, taróloga e já brinquei da brincadeira do copo, e da caneta e do compasso. Já roubei o carro do meu pai e já sai de casa escondida no meio da madrugada para ver um grande amor. Já chorei por amor. Já fui muita amada. Tive muitos amigos que amava tanto que acabei beijando, e descobri tarde demais que isso comprometeria muita a amizade. Já cheguei muitas vezes de madrugada em casa e tinha que abrir a porta só quando passasse um caminhão, para que o cachorro não ouvisse a porta abrir e latisse para acordar meus pais.

Já tirei foto dentro de um caixão, com velas acessas e um amigo meu velando do lado. Já avacalhei na brincadeira do soldadinho, onde a punição era ser jogada no açude, mas fui livrada por um cara que me amava e por minha irmã que ainda me ama. Já comecei a escrever um livro. Já escrevi muitas poesias. Já pensai em ser tudo quanto é coisa. Advogada, fisioterapeuta, publicitária, administradora de empresas, psicóloga, mas jornalismo me acompanha desde meus 10 anos e foi à escolha. Já fiz uma fogueira num morro bem alto e passei a noite inteira fazendo juras de amor e bebendo vinho. Já namorei escondido e nosso encontro era sempre em um cemitério perto de minha casa. Fazia mais de 12 km por dia de bicicleta para ver meu primeiro amor. Já montei três quebra-cabeças de 1000 peças e um de 2000 mil. Já li centenas de livros e quero reler mais da metade, mas nunca consigo fazer isso.

Já dei risada até fazer xixi na calça muitas vezes, porque minhas irmãs adoravam me fazer cócegas porque sabiam que eu não conseguiria segurar. Já fiz todos os tipos que regimes possíveis. Já perdi peso por uma paixão. Já engordei muito sofrendo por amor. Já passei quase um dia a base de água. E no outro a base de frutas e no terceiro fui ao Mc porque não agüentava mais me privar de nada. Já desfilei num concurso da mais bonita da escola, mas não me classifiquei, mas é claro que tinha treta :P, já fiz um curso de manequim, modelo e etiqueta. Já fui contadora de histórias para crianças carentes. Já fui atriz, e encenei uma peça onde só eu tinha fala. Já fui hippie e já fui metalera. Uso muito calçado baixo e adoro saias rodadas. Adoro brincos e colares indianos. Brigo com meus cabelos quase todos os dias. Sempre acho que preciso emagrecer, mas geralmente gosto muito de meu reflexo no espelho.

Amo minhas irmãs e meu filho mais que tudo no mundo. Mas às vezes acho que não demonstro muito isso. Aprendi a respeitar e amar meus pais só depois que virei mãe. Adoro o sol, o luar, o cheiro de grama cortada, a casa cheia, o meu carro limpo, sushi, beijo, unhas vermelhas, mini saias, óculos escuros, mergulhar no mar, ver o João dormir, um cafuné, declaração de amor, dar gargalhada. Entre muitas e muitas coisas. E coisas que eu ainda nem sei se eu gosto, mas que um dia saberei e isto tbm fará parte do meu eu.

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