Quando a gente muda, o mundo muda com a gente. Como é bom olhar na mesma direção e ver coisas totalmente diferentes. Quando os sentimentos caminham de acordo com o que se faz. Quando o que se faz, está de acordo com o que se sente. A gente se sente com mais sentido. As coisas fazem mais sentido. Tem sabor diferente. E se saboreia com calma. E se sente todo o gosto. Tanto o doce quanto o amargo. Se permite sentir os dois. Se aceita. Sem culpa. Sem pressa.
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Abandonei pra me encontrar
Meu querido blog abandonado. Andei por ai reorganizando as coisas. Reorganizei meu guarda-roupa, meus armários. Me livrei de várias coisas que não precisava mais. Mas como nada é de fora pra dentro, comecei reorganizando meus pensamentos.
Joguei lembranças no fundo do baú, depois de entende-las. Conceitos e sentimentos coloquei nos seus devidos lugares e agora sinto que minha visão é diferente. Volto com outro olhar.
Sei um pouco mais quem sou e o que quero. Mas descobri, principalmente, o que não quero. E com isso veio a capacidade em dizer NÃO.
Não deixo você entrar.
Não vou ficar pra dormir.
Não quero mais uma dose.
E quando você descobre que pode dizer não, o SIM ganha o valor adequado. Por que é um sim de saber o que se quer. Saber que o caminho é seguro e que ele está de acordo com o que se procura. Que esse sim não vai virar um arrependimento, não vai virar uma culpa.
Acho que nunca me senti assim. Sempre agi sem ligar pra mim, sem um sentimento de cuidado, de me respeitar, de amor próprio. Sai muitas vezes de situações em que me arrependi, porque nunca avaliava a situação, eu só agia em conformidade as emoções mais baratas, mais rasas.
Mas agora tudo está diferente. Me sinto mais segura pra pensar, sentir e agir. E tá na hora de voltar aqui e me encarar de frente. Falar de mim e de meus sentimentos e pensamentos mais loucos, íntimos e duvidosos.
As cinzas do passado
Qual é mesmo a importância do passado nas nossas ações do presente? Qual é a medida ou estudo exato que nos tira ou coloca responsabilidades conforme nossa construção de personalidade da infância? O quanto usamos isso para nos eximir da responsabilidade de atos cometidos hoje?
Eu mesma costumo, com muita frequência, culpar meus pais por coisas que aconteceram na infância, acreditando que devido a essas coisas eu tomo certas decisões hoje. Mas até que ponto isso realmente faz sentido? Revirar as cinzas do passado é tentar nos esquivar das resposabilidades sociais de nossas ações?
Por um lado, sim. Vamos combinar que fica bem mais fácil também. “Eu fiz tudo isso ontem devido aquele acontecimento quando eu tinha 5 anos de idade e não tinha ninguém para cuidar de mim e …”. É dar para os outros o que não é deles e é também um tapa olhos que não ajuda em nada na hora de mudar de atitudes. O passado tem sim, muita importância, mas não tentemos dar a ele mais do que ele pode carregar, já que nós é que não aguentamos com o peso. E ao invés de tentarmos nos livrar, jogamos lá atrás, e assim continuamos mais e mais pesados.
As vezes
Porque um dia você acorda e o sol brilha mais e tem mais luz e calor. E o ar entra e sai dos pulmões com leveza. E os cabelos estão mais soltos, mais leves e macios. Quando você é indagada, a resposta sai autêntica, tranquila, e as vezes até tem graça.
E você olha na vitrine da loja e se vê, e diminui os passos, ou até para. Tem dias que você cheira sua pele do braço, e gosta do cheiro. Passa seus lábios sobre ele em demonstração de carinho. As vezes você para na frente no espelho e se olha, e sorri, numa demonstração de afeto. E você olha nos olhos, bem fundo, passando confiança. Nesses dias os passos são ritmados e os caminhos são floridos. E você não está sozinha.
Tão longe
As ruas parecem longes demais. Os prédios são altos e nem imagino como é acima deles. Os corredores parecem não acabar e e nunca sei em que porta entrar. As salas são muito amplas e vazias. Os livros têm muitas palavras e parecem não dizer nada. A TV transmite tanta coisa que nem dá para assimilar. Os pássaros voam longe e borboletas nunca mais vi. Os sons são altos e mal posso decifrá-los. As pessoas passam longe e não posso tocá-las.
Tudo parece tão distante, tão complicado, tão estranho. Faz-me pensar se não é o caminho até mim que nunca chega. Se é o que eu falo que não é pra ser decifrado. Se o que aparento ser, não é o que eu sou. Se o que eu berro, ninguém consegue entender. Se não sei mais voar ou se voo alto demais. Tão distante de mim, tão distante de tudo.
Longe demais para encurtar ruas, aquecer salas, encurtar conversar, achar a porta certa no corredor, escolher o programa na TV, ter paciência em ler até conseguir entender, sentar e olhar pássaros e esperar borboletas sobrevoarem baixo.
Ciclo vicioso
A convivência com as pessoas nos envolve num ciclo vicioso de comportamento. Não gostamos muitas vezes do tom ou da maneira com que algumas pessoas falam com a gente, e muitas vezes nos pegamos falando do mesmo modo com outras pessoas. Por que repetimos uma atitude que reprovamos? É a lei do oprimido X opressor? Isso assim, automático e sem nos darmos conta? Algo natural?
Estranho essa mundo humano e adulto. Onde nos confundimos com nossos pais, ainda que não concordemos com eles e muitas vezes fazemos coisas movidos por sentimentos e ações que não são propriamente nossos. Uma imitação que vem de geração para geração. Num exemplo bem simples e até superficial, é uma careta que eu imito de minha mãe e que a minha avó também faz. Isto é apenas um exemplo físico e visível. Quando se fala se sentimento, de opinião, de modos, é coisa é bem mais complexa.
Não que isto seja uma coisa ruim, se certa maneira não é. Mas muitas coisas não precisam ser assim. E ter este distanciamento e tentar corrigir, é se melhorar. É não cometer os mesmo erros. Cometer outros, com certeza, para que os mesmos?
Calma
Quando tudo parece calmo e os novos caminhos já estão se tornando familiares, a vida perde um pouco o sentido. Quando o que você faz já virou tão mecânico que nem mais aquela dorzinha de barriga de ansiedade dá, as coisas perdem a graça. Quando não se sente mais medo de se perder, ai você se perde.
Na realidade nunca tive muitos momentos de sossego, calmaria. Talvez nunca o tenha permitido entrar e sentar comigo na sala. Todas as vezes que ele tentou se aproximar, se não o expulsei grosseiramente eu o exorcizei. Marasmo e eu, eu e ele. Não temos uma história juntos.
Ainda não consigo compreender o por que disso. As vezes ele é importante, como para aquela bela noite de sono, aquele cigarrinho saboroso de madrugada, aquela volta pra casa de final de tarde, tendo como companhia o pôr do sol. Momentos que devem ser sem ansiedade, sem medo, sem pressa, sem rumo.
Destinos
A história de quando um argentino barbeiro salvou minha vida.
Quinta-feira, 12 de março de 2009. Acabada a aula do Magru, no curso de Jornalismo da Univali, cansada de um dia de trabalho e mais quatro horas devaneando sobre a crise mundial, pego minha bolsa e rumo de volta para casa.
Naquele ritmo de pegar um cigarro, procurar o isqueiro, ligar o som e dirigir ao mesmo tempo, saio abobadíssima a caminho da BR 101. Mas antes de chegar na rodovia, encontro o primeiro carro, de uma viagem irritante, que me atrasa. Colo na traseira dele e ele vai pra pista da direita. Posso prosseguir. Logo adiante, no trevo da Contorno Sul para pegar a BR 101, um motorista que não lê placas, se atravessa na minha frente. E era apenas a segunda da noite.
Entro na rodovia. Com uma velocidade permitida (o máximo da permitida), sigo para casa. Uns 5 km adiante um caminhão se atravessa na minha frente para ultrapassar. Reduzo a velocidade. Calma, Ana, ele vai ultrapassar e ai a gente segue o caminho, diz meu carro para mim (rs, mentira, ele não fala ainda). Bom, caminhão na pista da direita e beleza, ultrapasso ele de uma vez.
Tem água na pista e esta chuviscando. Sem muita visibilidade, percebo um carro que fazia o retorno, simplesmente aparecer na pista rápida, numa velocidade de 40 km por hora. Dou sinal de luz, buzino, xingo a mãe dele, e continuo o caminho. Passo Balneário sem percalços e chego no Morro do Boi. Geralmente neste trecho estou muito embalada, para conseguir manter pelo menos uns 100 km/h na subida.
E agora chegou a parte que o argentino salvou minha vida. Quando eu começo a descer, vejo um cenário que me apavora. Um caminhão e três carros no lado direito da pista e mais dois carros no lado esquerdo. Restando de três pistas, apenas uma faixa e meia para passar carros. Sendo que nesta faixa e meia, dois homens recolhiam pedaços de um acidente que tinha acabado de acontecer.
Se eu tivesse rápido talvez não conseguisse brecar. Talvez se não fosse um argentino barbeiro, eu mesma poderia estar naquele acostamento. Viajo de carro há muito tempo, e posso assegurar que esta foi a minha viagem mais enrolada e que encontrei o argentino barbeiro mais barbeiro de todos. Não acredito em deus, não sou religiosa, mas acredito em energia. Essa energia que faz com que os argentinos não aprendam a dirigir e salvem vidas de pessoas quando estejam fazendo sua viagem de férias.
Mas desta vez não foi assim. Eis que na primeira curva, surge um Polo azul marinho, com placas da Argentina, para atrasar pelo menos metade da subida do Morro do Boi. Desta vez eu xinguei até a prima da tia da vizinha da mãe do argentino, buzinei e dei sinal de luz. Até que ele saiu de minha frente. Mas nesta hora não tinha mais embalo. E se você esta na metade de um morro com um carro mil a 60 km/h, você não vai aumentar muito mais que isso. Cheguei ao topo do morro numa velocidade moderada.
A frase
E eu olhei pra ela e disse:
– Não me importa mais o que você acha!
Depois desta frase, tão verdadeira e tão espontânea, e, sem ter pensado sobre seu significado, percebi que muita coisa já tinha mudado em nossa relação. Geralmente as coisas acontecem ao contrário, eu penso, percebo que as coisas pegaram novos rumos e depois estes novos rumos invadem minha vida. Mas desta vez não. A frase veio e a despejei. E, depois, veio o estalo.
Mas antes não tivesse dito nada. Muito menos ter sentido o nada. O do vazio, aquele que dá quando perde alguém, perde referência. Alguém que sempre escutei, considerei, confiei. De repente, num domingo chuvoso, no meio de um brigadeiro na panela, eu me deparo com a frase, com a constatação, com a perda.
Ela não disse, só olhou. Olhou por algum tempo. Deu de ombros, e virou. Essa era nossa confirmação. Continuamos ali, comendo brigadeiro e tomando Coca-Cola. Aquela nova verdade entre a gente já estava sendo construída há tempos. Só não tinha se expressado. Não tinha virado frase. Não tinha sido ouvida.