Crônica, Filosofando

Stranger Things: mundo paralelo ou depressão?

(contém spoilers)

A série Stranger Things, sucesso absoluto da Netflix, faz levantar várias teorias sobre a trama. Para quem não assistiu, trata-se de um Laboratório secreto do governo que utilizava crianças para fazer experimentos de telepatia e telecinese. Essas crianças especiais são estudadas, de maneira antiética, pelo governo dos Estados Unidos. Mas, tudo dá errado, e a personagem principal, Eleven, abre o portal para mundo invertido/paralelo, que é um lugar igual ao mundo real só que macabro, escuro, céu sempre nublado e com raios vermelhos. E o local abriga criaturas monstruosas.

E é a partir daqui que minha teoria começa. Para mim essa série trata sobre a depressão. Ela é ambientada nos anos 80, quando a doença ainda não era bem difundida e poucas pessoas se tratavam. O mundo invertido é como as pessoas em estados depressivos veem o mundo. Ele está ali, as coisas estão acontecendo, mas o depressivo só consegue ver desgraça, passado, ansiedade e medo.

Por exemplo, na primeira temporada, Will, que era uma criança tímida, introspectiva e com sérios problemas de relacionamento, se perde no universo paralelo, a versão sombria de sua realidade. O lado obscuro de sua própria casa, mas sem família e sem amigos. Em outro momento, Nancy abre sua agenda no mundo invertido e vê que a última publicação é datada de alguns anos antes, sou seja, está no passado, onde os depressivos se enxergam.

Eleven (número 11) é a protagonista e a personagem boa da história, e foi ela que abriu o portal para o mundo invertido, lado ruim.  O mundo invertido abriga muitos monstros que eram combatidos por Eleven e seus amigos. Na quarta temporada, sabe-se que tudo do mundo invertido é orquestrado pelo antagonista Vecna, número 1, que era colega da Eleven no laboratório.

Número 1 e número 11 são parte da mesma essência, como yin e yang, bem e mal, dois polos, um positivo e outro negativo de energia igual, sendo o princípio da dualidade, onde um não vive sem o outro.

Nosso lado bom tenta, com todas as forças, nos tirar da depressão com pensamentos positivos, amor, oração ou qualquer outro tipo de subterfugio que temos para tentar sair desse estado letárgico e irritadiço. Nosso lado mal, nossa da ansiedade, estresse, pessimismo, não se cansa de tentar nos deixar ali, trazendo pensamentos ruins e lembranças amargas.

Vecna é o personagem mau, que recebia o número 1 no laboratório. Aos poucos, ele  entra na mente das pessoas e se aproveita da fragilidade das suas emoções e as faz reviver situações do seu passado, o que causa pensamento acelerado e ansiedade. Vecna se alimenta da culpa e do desespero de suas vitimas para ganhar força. Não deixa a pessoa em paz, elas não conseguem fugir de pensamentos tristes que a atormentam. Nosso lado mau, que não nos deixa em paz, que distorce pensamentos, lembranças e a realidade.

Exemplo da Max que tem problema com o irmão e que, em depressão, acha que desejou sua morte. Quando ela entra no mundo invertido, ela acredita ter desejado o fim precoce dele. E quando ela está tentando fugir do Vecna, correr dele, ela abre portas que dão em paredes, abre porta que dão em outras portas que estão chaveadas ou abre uma porta onde ela vê seu irmão louco de raiva, por ela ter desejado a sua morte, exatamente a imagem que ela fantasiava em sua mente.

As pessoas acometidas pela depressão tentam sair dela sozinhas, sem ajuda especializada, e elas dão de cara com várias portas fechadas. Afinal, a depressão é uma doença e muitas vezes é tratada apenas como um estado de espírito “que com muita força de vontade ela consegue sair”. Nosso bem e mal brigando por espaço dentro de nossa mente. Mas não funciona assim.

Nos anos 80 essa doença era negligenciada a ponto de ser tratada como apenas um surto curável com eletrochoques e outros métodos desumanos. Nesse mesmo ano, por exemplo, pessoas em estado psíquico alterado eram exorcizadas por padres católicos em vários países do mundo, porque acreditava-se que o demônio tomava conta do seu corpo. Na série isso é representado por Vecna, que entra na mente das suas vítimas.

Então nós temos a Eleven (11) tentando nos salvar o mundo das trevas do universo paralelo e temos o Vecna (1), que faz uma força descomunal para nos manter naquele lugar cheio de distorção das próprias lembranças. Ou seja, nosso equilíbrio, nosso bem e mal, nosso yin yang. Eles fazem parte da mesma força, mas só que oposta e que se chocam e lutam para tentar vencer a batalha.

E não tem fim, nunca acaba. Stranger Things já está em sua quarta temporada e ninguém conseguiu exterminar o monstro. Várias batalhas já foram travadas, mas ele sempre ressurge. Isso é nossa força descomunal para vencer nossa depressão versus as forças das trevas, nosso lado sombrio, nos puxando de volta para o mundo invertido, que sempre estará ali, mas que ninguém quer voltar!

Finalizo a minha teoria afirmando que, para mim, Eleven e Vecna são a mesma pessoa, numa luta mordaz para vencer a psique doente. Eleven recebe ajuda de seus amigos bons para isso e Vecna de seus monstros. E essa luta parece não ter fim. A única coisa que eu sinto é cada vez mais vontade de saber como essa história vai se desenrolar. Que venham as próximas temporadas.

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